quinta-feira, 12 de novembro de 2009

O contrato social e os seus descontentamentos

A civilização tem de utilizar esforços supremos a fim de estabelecer limites para os instintos agressivos do homem e manter as suas manifestações sob o controle de formações psíquicas reactivas. Daí, portanto, o emprego de métodos destinados a incitar as pessoas a identificações e relações amorosas inibidas na sua finalidade, daí a restrição à vida sexual e daí, também, o mandamento ideal de amar ao próximo como a si mesmo, mandamento que é realmente justificado pelo facto de nada mais ir tão fortemente contra a natureza original do homem. A despeito de todos os esforços, esses empenhos da civilização até hoje não conseguiram muito.

(...) Se a civilização impõe sacrifícios tão grandes, não apenas à sexualidade do homem, mas também à sua agressividade, podemos compreender melhor porque lhe é difícil ser feliz nessa civilização. Na realidade, o homem primitivo achava-se numa situação melhor, sem conhecer restrições aos seus instintos. Em contrapartida, as suas perspectivas de desfrutar dessa felicidade, por qualquer período de tempo, eram muito ténues. O homem civilizado trocou uma parcela das suas possibilidades de felicidade por uma parcela de segurança.

Sigmund Freud, Mal-estar na Civilização, Imago
( o itálico é nosso)
Nota do Martelo da Filosofia:
Perguntará o nosso leitor sobre o que faz Freud num blogue de filosofia ético-política? Escusado será dizer que não é nossa pretensão considerar Freud um filósofo, no sentido clássico do termo, tampouco a Psicanálise como um sistema filosófico. Acrescentaremos talvez que a ideia da "filosofia como sistema" há muito caiu em desgraça e que, depois do existencialismo e das filosofias vitalistas do século passado, é mesmo, convenhamos, uma ideia ridícula que não abona em favor da filosofia. Não vamos perder tempo com argumentações, mas afirmar apenas o que, supomos, todos sabemos: a Psicanálise constitui uma interpretação incontornável e pertinente do comportamento do Homem, não apenas sob o ponto de vista psicológico, i. é, individual, mas também sob o ponto de vista colectivo, ou seja, sociológico. Concorde-se ou não com a teoria psicanalítica, é inegável o impacto que ela teve nas concepções filosóficas e científicas que marcaram o século XX. Bastaria pensar por um momento na ideia de que o Eu já não é dono e senhor na sua própria casa, para "deitar por terra" dois mil anos de um certo tipo de reflexão filosófica. Bem vistas as coisas, Freud está para a filosofia (e para a psicologia) numa posição algo semelhante à de Darwin nas ciências biológicas. E, olhando atentamente para o nosso mundo actual, parece inegável, a vários níveis, que as intuições de Freud se revelam acertadas, senão mesmo absolutamente certas. Por outro lado, incluir um texto de Freud no Martelo da Filosofia, ilustra muito bem a intenção iconoclasta do nosso blogue (perdoem-nos a imodéstia). O leitor tem, evidentemente, inteira liberdade para discordar das nossas asserções anteriores, bem como das considerações que Freud tece sobre a vida social humana, no pequeno excerto que hoje aqui transcrevemos. Vamos a isso!

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