segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Uma parábola

Em Parerga und Paralipomena, Arthur Schopenhauer conta-nos numa parábola, o dilema que um grupo de porcos-espinhos enfrenta, numa qualquer manhã de um muito frio Inverno. Descreve-nos uma multidão de porcos-espinhos que, amontoando-se muito juntos de modo a poderem a beneficiar do calor recíproco, procuravam dessa forma evitar morrer de frio. Mas logo começaram a sentir os espinhos uns dos outros, o que os levou a separarem-se de novo. E assim por diante seguiram os porcos-espinhos, procurando incansavelmente uma posição que lhes permitisse beneficiar do calor do outro, sem sofrer a dor da picada.

Nota do Martelo da Filosofia:
Uma nota apenas para esta edição tardia e não programada, mas a plataforma Moodle continua a não cooperar com a malta! Por sugestão do nosso formador, a equipa arranjou tempo para desenterrar uma velha parábola que ainda dá que pensar. Alguns nos acusarão de excessivo pessimismo, pois então!

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

actualidade.com

O martelo da filosofia deseja um bom fim-de-semana a todos.

Elegemos a comemoração dos "20 anos da Queda do Muro de Berlim" como o acontecimento desta semana.

Colocamos uma ligação ao The Big Picture que nos disponibiliza algumas excelentes fotografias, históricas e recentes, sobre o Muro de Berlim (38 no total). Nas fotografias 12 - 15, um click na imagem permite ver "antes e depois".

The Berlim Wall, 20 years gone

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

O contrato social e os seus descontentamentos

A civilização tem de utilizar esforços supremos a fim de estabelecer limites para os instintos agressivos do homem e manter as suas manifestações sob o controle de formações psíquicas reactivas. Daí, portanto, o emprego de métodos destinados a incitar as pessoas a identificações e relações amorosas inibidas na sua finalidade, daí a restrição à vida sexual e daí, também, o mandamento ideal de amar ao próximo como a si mesmo, mandamento que é realmente justificado pelo facto de nada mais ir tão fortemente contra a natureza original do homem. A despeito de todos os esforços, esses empenhos da civilização até hoje não conseguiram muito.

(...) Se a civilização impõe sacrifícios tão grandes, não apenas à sexualidade do homem, mas também à sua agressividade, podemos compreender melhor porque lhe é difícil ser feliz nessa civilização. Na realidade, o homem primitivo achava-se numa situação melhor, sem conhecer restrições aos seus instintos. Em contrapartida, as suas perspectivas de desfrutar dessa felicidade, por qualquer período de tempo, eram muito ténues. O homem civilizado trocou uma parcela das suas possibilidades de felicidade por uma parcela de segurança.

Sigmund Freud, Mal-estar na Civilização, Imago
( o itálico é nosso)
Nota do Martelo da Filosofia:
Perguntará o nosso leitor sobre o que faz Freud num blogue de filosofia ético-política? Escusado será dizer que não é nossa pretensão considerar Freud um filósofo, no sentido clássico do termo, tampouco a Psicanálise como um sistema filosófico. Acrescentaremos talvez que a ideia da "filosofia como sistema" há muito caiu em desgraça e que, depois do existencialismo e das filosofias vitalistas do século passado, é mesmo, convenhamos, uma ideia ridícula que não abona em favor da filosofia. Não vamos perder tempo com argumentações, mas afirmar apenas o que, supomos, todos sabemos: a Psicanálise constitui uma interpretação incontornável e pertinente do comportamento do Homem, não apenas sob o ponto de vista psicológico, i. é, individual, mas também sob o ponto de vista colectivo, ou seja, sociológico. Concorde-se ou não com a teoria psicanalítica, é inegável o impacto que ela teve nas concepções filosóficas e científicas que marcaram o século XX. Bastaria pensar por um momento na ideia de que o Eu já não é dono e senhor na sua própria casa, para "deitar por terra" dois mil anos de um certo tipo de reflexão filosófica. Bem vistas as coisas, Freud está para a filosofia (e para a psicologia) numa posição algo semelhante à de Darwin nas ciências biológicas. E, olhando atentamente para o nosso mundo actual, parece inegável, a vários níveis, que as intuições de Freud se revelam acertadas, senão mesmo absolutamente certas. Por outro lado, incluir um texto de Freud no Martelo da Filosofia, ilustra muito bem a intenção iconoclasta do nosso blogue (perdoem-nos a imodéstia). O leitor tem, evidentemente, inteira liberdade para discordar das nossas asserções anteriores, bem como das considerações que Freud tece sobre a vida social humana, no pequeno excerto que hoje aqui transcrevemos. Vamos a isso!

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

A desobediência civil - 2ª Parte

Outro exemplo de desobediência civil está patente na recusa de alguns americanos participarem na Guerra do Vietname, apesar de serem requisitados pelo governo. Alguns americanos justificaram esta atitude afirmando acreditar que matar é moralmente errado, pensando por isso que era mais importante violar a lei do que lutar e possivelmente matar outros seres humanos. Outros havia que não objectavam a todas as guerras, mas sentiam que a guerra do Vietname era injusta e que sujeitava os civis a grandes riscos, sem nenhuma boa razão. A dimensão da oposição à guerra do Vietname acabou por conduzir os Estados Unidos à retirada.

A desobediência civil corresponde a uma tradição de violação não violenta e pública da lei, concebida para chamar a atenção para leis ou políticas injustas. Os que agem nesta tradição de desobediência civil não violam a lei unicamente para seu benefício pessoal; fazem-no para chamar a atenção para uma lei injusta ou para uma política moralmente objectável e para publicitar ao máximo a sua causa. Por isso é que estes protestos ocorrem habitualmente em lugares públicos, de preferência na presença de jornalistas, fotógrafos e câmaras de televisão. Por exemplo, um americano chamado para a guerra que deitasse fora a sua convocatória durante a Guerra do Vietname, escondendo-se de seguida do exército só por ter medo de ir para a guerra e por não querer morrer, não estaria a executar um acto de desobediência civil. Seria um acto de auto-preservação. Se agisse da mesma maneira, não por causa da sua segurança pessoal, mas por motivos morais, mas que no entanto o fizesse em segredo, não tornando público este caso de nenhuma forma, continuaria a não poder considerar-se um acto de desobediência civil. Pelo contrário, outro americano convocado para a guerra que queimasse a sua convocatória em público perante câmaras de televisão, comunicando ao mesmo tempo à imprensa as razões que o levavam a pensar que o envolvimento americano no Vietname era imoral, estaria a cometer um acto de desobediência civil.

O objectivo da desobediência civil é, em última análise, mudar leis e políticas particulares, e não arruinar completamente o estado de direito. Os que agem na tradição da desobediência civil evitam geralmente todos os tipos de violência, não apenas porque pode arruinar a sua causa ao encorajar a retaliação, conduzindo assim a um agravamento do conflito, mas sobretudo porque a sua justificação para violar a lei é moral, e a maior parte dos princípios morais só permite que se prejudique outras pessoas em situações extremas, tal como quando somos atacados e temos de nos defender.

Os terroristas ou os combatentes pela liberdade (a maneira como lhes chamamos depende da simpatia que temos pelos sues objectivos) usam actos violentos com fins políticos. Tal como os que enveredam por actos de desobediência civil, também eles desejam mudar o estado de coisas existente, não para benefícios privados, mas para o bem geral, tal como este é por eles concebido; mas diferem nos métodos que estão preparados para usar para originar a mudança desejada.
Nigel Warburton
Elementos Básicos de Filosofia

PARA SABER MAIS...

VÍDEO: Manifestação de protesto contra as políticas económicas do G8 (fronteira Franco-Suiça, 2003).




TEMAS PARA DISCUSSÃO
  • A desobediência civil pode ser eticamente justificada?
  • A desobediência civil violenta é eticamente aceitável?
  • ...

terça-feira, 10 de novembro de 2009

A desobediência civil - 1ª Parte

Algumas pessoas argumentam que a violação da lei nunca se pode justificar: se não estamos satisfeitos com a lei, devemos tentar mudá-la através dos meios legais, como as campanhas, a redacção de cartas, etc. Mas há casos em que tais protestos legais são completamente inúteis. Há uma tradição de violação da lei em tais circunstâncias conhecida por desobediência civil. A ocasião para a desobediência civil emerge quando as pessoas descobrem que lhes é exigido que obedeçam a leis ou a políticas governamentais que consideram injustas.

A desobediência civil trouxe mudanças importantes no direito e na governação. Um exemplo famoso é o movimento das sufragistas britânicas, que conseguiu publicitar o seu objectivo de dar o voto às mulheres através de uma campanha de desobediência civil pública que incluía, entre outras coisas, o auto-acorrentamento das manifestantes. A emancipação limitada foi finalmente alcançada em 1918, quando foi permitido o voto às mulheres com mais de 30 anos, em parte devido ao impacte da primeira guerra mundial. No entanto, o movimento das sufragistas desempenhou um papel significativo na mudança da lei injusta que impedia as mulheres de participar em eleições supostamente democráticas.

Mahatma Gandhi e Martin Luther King foram ambos defensores apaixonados da desobediência civil. Gandhi influenciou decisivamente a independência indiana através do protesto ilegal não violento, que acabou por conduzir ao fim da soberania britânica na Índia; o desafio de Martin Luther King ao preconceito racial através de métodos análogos ajudou a garantir direitos civis básicos para os Negros americanos nos estados americanos do Sul.
Nigel Warburton
Elementos Básicos de Filosofia


PARA SABER MAIS...


VÍDEO: Discurso de Martin Luther King, 28 de Agosto de 1963, após a Marcha para Washington.

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

O Muro de Berlim, 20 anos depois…


Celebram-se hoje os vinte anos da Queda do Muro de Berlim. O Martelo da Filosofia não poderia deixar passar esta efeméride, pese embora o receio de que tenha pouco significado para todos aqueles que não viveram a Segunda Grande Guerra e os acontecimentos que se lhe seguiram. A Guerra Fria, alimentando-se do medo de um conflito nuclear entre as duas super-potências, ainda estará contudo na memória dos mais velhos. Em boa verdade, a globalização de que se fala hoje a propósito de tudo e mais alguma coisa, nunca foi tão real como então.

O Muro de Berlim é, provavelmente, o mais expressivo símbolo da Tirania na memória do Homem actual. Sabemos que a passagem do Tempo tende a suavizar os contornos da História. Ditosamente, pedaços do Muro podem ser comprados hoje em Berlim, velhas relíquias evocando um qualquer acontecimento passado, já longínquo e esquecido. Olhando para o mundo de hoje, é uma paisagem triste e angustiante que se nos depara. A URSS já não existe, mas a Rússia continua e o seu relacionamento com a Europa e Estados Unidos da América mantém, em larga medida, as idiossincrasias herdadas dos tempos do Muro. Enfrentamos a possibilidade de um Irão Nuclear. A Coreia do Norte e o Paquistão são já potências nucleares. O aumento exponencial do fanatismo religioso, em particular nos países que se sentem vítimas do novo colonialismo Ocidental, faz-nos temer o pior. As alterações climáticas e a falência do Capitalismo constituem-se como assustadoras ameaças para a Humanidade.

A queda do Muro de Berlim oferece-nos duas lições de grande valor. Em primeiro lugar, a de que a Tirania pode ser confrontada e derrubada pelo Povo. Em segundo lugar, também a de que o triunfo da Liberdade nunca é definitivo. Terá de ser permanentemente renovado, não apenas pela nossa vontade, mas também pela fundamentação ética dos nossos princípios mais valiosos, dos quais destacamos, naturalmente, a Liberdade.

Este seu vigésimo aniversário representa não só uma oportunidade para recordarmos o que estava em jogo na Guerra Fria, mas igualmente para avaliarmos o que continua em risco, no eterno combate pela Liberdade. A queda do muro não foi o fim de um pesadelo já distante, mas tão-somente o terminar de apenas mais um triste capítulo da nossa história recente.

sábado, 7 de novembro de 2009

Sobre os deveres morais


Os deveres morais podem ser divididos em duas espécies.

A primeira compreende aqueles a que todos os homens são conduzidos por um instinto ou propensão natural, que exerce influência sobre eles independentemente de qualquer ideia de obrigação e qualquer consideração de utilidade pública ou privada. Desta natureza são o amor pelas crianças, a gratidão para com os benfeitores e a piedade pelos infelizes. Ao reflectirmos sobre as vantagens de que a sociedade se beneficia graças a tais instintos humanos, prestamos-lhes o justo tributo da aprovação e da estima moral, mas a pessoa que por eles é guiada sente o seu poder e influência anteriormente a qualquer reflexão deste género.

A segunda espécie de deveres morais é a dos que não assentam em qualquer instinto original da natureza, derivando inteiramente de um sentido de obrigação, quando consideramos todas as necessidades da sociedade humana e a impossibilidade de a preservar se esses deveres forem descurados. É assim que a justiça, o respeito pela propriedade alheia, e a lealdade, o cumprimento das promessas, se tornam obrigatórias e ganham autoridade sobre os homens. Porque todo o homem se ama mais a si do que a qualquer outra pessoa, ele é naturalmente levado a ampliar o mais possível as suas aquisições; esta sua propensão só pode ser limitada pela reflexão e pela experiência, graças às quais fica a conhecer os efeitos perniciosos desse excesso de liberdade e a total dissolução da sociedade que dela forçosamente decorrerá.

David Hume, Ensaios Morais, Políticos e Literários


TEMAS PARA DISCUSSÃO
  • Os sentimentos são o fundamento da ética
  • O egoísmo corresponde ao estado natural do humano
  • A consciência moral tem origem na sociedade
  • A falta de ética conduz à dissolução da sociedade
  • ...
PARA SABER MAIS...